I LOVE RIVOTRIL
A
cada dia mais me deparo com a droga do momento, a droga que promete devolver a
paz e o equilíbrio psíquico as pessoas, não importando bem o seu quadro
clínico, se recebeu o diagnóstico de Pânico, depressão ou ansiedade. Rivotril é
a solução. Bom, não é bem assim.
Segundo a Anvisa, o consumo no
Brasil do principio ativo do Rivotril, o Clonazepam, em 2007 era de 29 mil
caixas por ano. Em 2015 esse número atingiu os 23 milhões. Esse crescimento
significativo, em pouco tempo, desperta as suspeitas de uso excessivo e
desnecessário por parte de especialistas ou não especialistas (cardiologistas,
clínico geral etc).
Com a promessa de aliviar as
pressões e as ansiedades do dia-a-dia, psiquiatras e médicos em geral, muitas
vezes, nem se quer, sabem o mínimo sobre a vida do paciente, o que tem
acontecido em sua vida, história clínica, as contingencias que o cercam no
momento etc, prescrevem o remédio que é tarja preta, ou seja, pode causar
dependência física e psíquica.
No entanto, isso não vem mais
passando despercebido por alguns médicos e o CREMESP. O médico psiquiatra
Plínio Luiz K. Montagna, reconhece que o uso do Rivotril, tem sido banalizado
para apaziguar sintomas sem dar a devida atenção as origens dos mesmos, podendo
com isso, mascarar quadros mais graves, porque a ansiedade pode ser primária ou
derivar de outras condições como a depressão e até mesmo psicoses, que exigem
portanto, outros tipos de tratamento.
Vejamos, uma pessoa pode estar
ansiosa, experimentando uma angustia, por varios fatores em sua vida
(momentaneamente as vezes). Desemprego, a preocupação com o filho estar usando
drogas, a criminalidade crescente, principalmente nas grandes cidades, por
motivos socioculturais, inclusive por ter traços de personalidade de menor
tolerância a eventos negativos/aversivos, sem que com isso se caracterize por
um quadro que se faça jus a prescrição do Rivotril. Não seria muitas vezes nem
de perto a melhor conduta a ser adotada.
Mauro Gomes A de Lima, conselheiro
do CREMESP diz: “Existem maneiras de a vigilância sanitária mapear prescritores
muito exagerados de tranquilizantes e por vezes, a gente chama esse médico no
conselho e alertamos sobre esse uso indiscriminado. Mas é a qualidade da
formação médica que evidentemente precisa melhorar no nosso país”.
Minha reflexão está baseada no
crescente número de pacientes que chegam em meu consultório fazendo o uso de
tal medicação as vezes por anos a fio, mais de 5 anos por exemplo. Quando a
recomendação médica baseada em vasta literatura recomenda ser apenas quando
realmente necessário e o mais breve possível (muitas vezes não exceder 3
meses).
Isso posto, não quero dizer que só
existe erro ou precipitações nas prescrições médicas em relação ao Rivotril (ou
até mesmo outros fármacos), e que ela não seja necessária em alguns casos,
trazendo ganhos significativos para alguns pacientes. Apenas reflito sobre seu
uso indiscriminado, por alguns médicos que não se importam realmente em saber
mais sobre a vida daquele paciente. O famoso médico “que nem põe a mão no seu
paciente”. Tanto que em alguns casos, para alguns pacientes o melhor tratamento
é aquele feito em equipe por psiquiatra e psicólogo. Como diz Lima: “A
psicoterapia é o tratamento que mais tem alcançado resultados, mais sustentados
e deve ser feito concomitantemente ao tratamento farmacológico, sempre
objetivando interromper a medicação depois de algum tempo”.
Como psicólogo clínico, no decorrer
de uma analise, percebo que cada vez mais por trás de uma ansiedade, muitas
vezes se esconde uma vida não vivida, a culpa que o persegue ao longo de sua
vida, o medo de desapontar alguém, de ser/estar escravo de alguém ou refém de
suas escolhas etc. Ao passo que esses conteúdos que outrora era inconsciente, se
tornam conscientes e a pessoa pode finalmente ter suporte para lidar com eles,
a ansiedade, angustia e depressão podem ser superadas. E mais uma vez digo que
com isso, não reconheço que muitas vezes é preciso sim ajuda de algum fármaco.
Mas não da forma indiscriminada que vem sendo prescrito em nosso país e
certamente no mundo. Nosso sistema Único de Saúde não seria sobrecarregado com
mais esse custo e nem mesmo nos tratamentos particulares, se gastaria tanto. A única
a se beneficiar com isso, certamente é a indústria farmacêutica.
Não existe droga da felicidade ou
sabedoria. Existem os desafios da vida e o melhor que temos é aprender a lidar
com eles. Muitas pessoas se cobram muito (muitas vezes a gênese de sua
ansiedade). As vezes o segredo da vida está em simplesmente dançar, sem se
importar se sei ou não... dançar!!
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